Olhão, 31 de Março de 2013
À
Direcção-Geral do Ambiente da
Comissão Europeia
Direcção A – Assuntos
Jurídicos e Coesão
B-1049 Bruxelles
Belgique
Assunto: Violação de
directiva comunitária
V. Refª:
ENV.A.1/MAS/ip/ARES(2013)279075
Acuso
a recepção do V. oficio com a referencia acima indicada, datado de 04/03/2013,
mas discordando do seu conteúdo, venho tecer alguns comentários que considero
pertinentes.
1
– O que está em causa é o incumprimento do Estado português da Directiva
91/271/CEE – Tratamento de Aguas Residuais Urbanas – nomeadamente o artigo 5º,
nº1 e 2, e anexo II – Não identificação de Zonas Sensíveis - Conceito de
eutrofização – Não instituição de um tratamento mais rigoroso das descargas em
zonas sensíveis.
Na
verdade a Ria Formosa embora classificada como Zona Sensível falta
classificá-la como sujeita a eutrofização, mas parece estar ausente o conceito
de eutrofização e o tratamento adequado a uma zona sujeita a eutrofização.
Assim
importa desde logo precisar o conceito de eutrofização.
A
Directiva 91/271/CEE tem por objectivo proteger o ambiente dos efeitos nefastos
das descargas das aguas residuais urbanas, visando a preservação, a protecção e
a melhoria da qualidade do ambiente e a protecção da saúde das pessoas.
Esses
objectivos passam por prevenir, atenuar ou eliminar as consequências da
actividade humana para a fauna, a flora, o solo, a agua, o ar e clima, a
paisagem e para os sítios que apresentem interesse especifico, bem como para a
saúde e qualidade de vida das pessoas, protegendo-os assim de qualquer
incidência negativa notável, resultante do desenvolvimento acelerado de algas e
de formas superiores de plantas aquáticas, na sequencia das descargas de aguas
residuais urbanas.
A
eutrofização caracteriza-se por quatro critérios:
-
o enriquecimento aquático com nutrientes, nomeadamente compostos de fósforo e
azoto
-
o desenvolvimento acelerado de algas e de formas superiores de plantas
aquáticas
-
a perturbação indesejada do equilíbrio biológico
-
a degradação da qualidade das aguas em causa
Para
alem disto, é preciso ainda a existência de uma relação causa e efeito entre o
enriquecimento em nutrientes e o desenvolvimento acelerado de algas e de formas
superiores de plantas aquáticas e entre este e uma perturbação indesejada do
equilibrio biológico e uma degradação da qualidade das aguas.
Qualquer
proliferação de uma espécie de algas ou de outras plantas aquáticas constitui
uma perturbação do equilíbrio do ecossistema aquático e como tal, do equilíbrio
biológico, agravada pela competição entre as diversas plantas para conseguirem
os sais nutrientes e energia luminosa o que quase sempre implica a diminuição
de outras espécies.
As
alterações das espécies, com a perda de biodiversidade do ecossistema, as
perturbações devidas à proliferação de macroalgas oportunistas e as
proliferações de fitoplancton tóxico ou nocivo, constituem perturbação
indesejada do equilíbrio biológico.
Já
a degradação da qualidade da agua tem a ver, não apenas com os efeitos nefastos
para o ecossistema mas também com a degradação da cor, do aspecto, do sabor ou
do cheiro, ou a quaisquer outras limitações ao uso da agua, como o turismo, a
pesca e a piscicultura, a apanha de moluscos de concha e a cultura de bivalves.
De
acordo com o Anexo II, A, alínea a), da Directiva 91/271/CEE, devem ser
identificados como Zonas Sensíveis à eutrofização os estuários e as aguas
costeiras que se revelem eutroficos ou susceptíveis de se tornarem eutroficos
num futuro próximo se não forem tomadas medidas de protecção.
2
– Assim parece não haver duvidas quanto ao enriquecimento do meio aquático por
compostos de fósforo e azoto tal como decorre das monitorizações das aguas
residuais urbanas tratadas pelas ETAR em questão, dando-se como provado o
primeiro critério.
3
- Em http://www.arhalgarve.pt/site/parameters/arhalgarve/files/File/documentos/ambiente/recursos_hidricos/ria_formosa_Impacte.pdf
, é possivel não só verificar que as descargas das aguas residuais urbanas
contribuem para o aumento do fitoplancton da Ria Formosa como é lançado no meio
aquático
fitoplancton
potencialmente tóxico.
Mais,
o excesso de SST, do qual faz parte o fitoplancton das aguas residuais
tratadas, provoca a turvação das aguas impedindo que as plantas de fundo
realizem a fotosintese e com ela a produção do oxigénio, indispensável à fauna
e flora marinhas.
Em
http://www.ecowin.org/forward/documents/FORWARD%20Report%202%20%20IMAR.pdf
, é possível constatar a proliferação de macroalgas oportunistas que consomem o
oxigénio, sendo essa uma das causas de morte da amêijoa.
Há
a registar a dimuição acentuada senão mesmo o desaparecimento de plantas
aquáticas de fundo como a “sebarrinha” e a “seba” que serviam de zona de desova
de espécies piscícolas, quase extintas, e de abrigo contra predadores.
A
presença de fitoplancton tóxico, de macroalgas oportunistas constituem assim
uma perturbação indesejada do equilíbrio biológico.
Da
mesma forma que a alteração da cor, do cheiro, da turvação, para alem do
efeitos nefastos ao ecossitema, fazem parte do processo degradativo da
qualidade das aguas da Ria Formosa, pondo em causa a pesca, a captura de
bivalves, o turismo e a pesca.
Quanto
às questões suscitadas pela Vossa carta e pelas autoridades portuguesas tenho a
dizer:
-
Que os estudos “Quasus-Qualidade Microbiológica dos Bivalves da Ria Formosa” e
“Quasus- Qualidade Ambiental e Sustentabilidade dos Recursos da Ria Formosa”
visam sobretudo branquear as consequências da poluição na Ria Formosa,
provocada pelas ETAR, senão vejamos:
Quando
os estudos apontam dois tipos de fontes
de contaminação da Ria estão a desviar a atenção do essencial, porque se
é verdade que no Verão, o grau de contaminação fecal diminui em relação ao
Inverno, tal deve-se ao facto de a radiação ultra violeta ser mais elevada no
Verão para alem do tempo de exposição aumentar também de forma significativa, e
não porque haja outra fonte de contaminação predominante no Inverno.
A
contaminação fecal é de origem animal, cuja produção na região e
particularmente na zona da Ria, está praticamente extinta, mal se percebendo
como é qie não havendo animais possa haver uma contaminação que lhe está
associada.
E, mesmo que houvesse tal contaminação, então
a radiação ultra violeta só actuaria na Ria e não na agricultura? É caso para
dizer que estes estudiosos na ânsia de branqueraem a situação, descubriram
agora uma fronteira para a radiação ultra violeta. Carecem de fundamento tais
afirmações “cientificas”.
E
porque as autoridades nacionais mentem ao dizerem que há uma melhoria do estado
ecológico da Ria, junto envio documentos da Agencia Portuguesa do Ambiente,
datado de 07/05/2012 onde se pode ler que as ETAR “…têm vindo a apresentar
alguma diminuição de eficiência…”. Não se percebe como é que as ETAR por um
lado perdem eficiência e por outro melhoram a qualidade ecológica da Ria. Mais,
no mesmo documento, pode constar-se o incumprimento do efluente tratado, não
respeitando os valores e o numero de analises em incumprimento do efluente
tratado.
E
se a qualidade ecológica da Ria fosse boa, porque razão se optaria por
apresentar a queixa em questão e posterior à data das acções dadas como
executadas, ou estas são agora invocadas apenas para e mais uma vez branquear a
situação. Diga-se, aliás, que de algumas dessas acções já essa Direcção-Geral
tinha conhecimento porque delas demos conta em tempo oportuno.
Prossegue
a Vossa carta, dando conta dos argumentos das autoridades nacionais, como o
programa de acção a executar, no mínimo ridículo e que visa mais uma vez
desviar a atenção do essencial.
O programa
de monitorização do meio receptor estava previsto no Decreto-Lei 236/98 que
transpões a Directiva 2006/113/CE, no que a aguas conquicolas, diz respeito e
obrigava o então IPIMAR (hoje IPMA) a proceder às monitorizações e à elaboração
de um relatorio que deveria ser publico a enviar a essa Direcção-Geral,
que os não recebeu ou omitiu. É no mínimo estranho que seja agora a entidade
poluidora a proceder a essa monitorização.
O
reforço da vigilância das redes de aguas pluviais continuará a ser feito pelas
mesmas entidades, responsáveis pela situação de ligação de esgotos domésticos à
rede de aguas pluviais, situações que estou farto de denunciar mas que não
encontram eco nessas instituições.
Quanto
à construção das novas ETAR de Olhão Poente e Faro Nascente tenho a dizer que,
e mais uma vez, parece haver a intenção de contornar o problema, limitando-se a
uma mera declaração de intenção, porquanto
existe
uma contradição entre as expectativas criadas pelo despacho do secretario de
estado e as declarações do presidente da Administração da Região Hidrográfica,
serviços desconcentrados da Agencia Portuguesa do Ambiente, conforme o vídeo do
programa televisivo Biosfera, da RTP2 de 20 de Fevereiro passado e que aqui
deixo o link ou visível em http://olhaolivre.blogspot.pt/2013/03/olhao-o-video-do-biosfera-na-ria-formosa.html
. Neste video o presidente da ARH, afirma não saber quando será possível
construir as novas ETAR, embora o secretario de estado aponte a data de 2016. E
porque uma mentira nunca vem só, o secretario de estado, no despacho, diz que
estão em fase de Avaliação de Impacto Ambiental, quando a entidade responsável,
a Agencia Portuguesa do Ambiente, pela boca do seu representante no Algarve,
desconhece.
Quanto
ao facto das autoridades nacionais dizerem que a qualidade das aguas
conquicolas da Ria não põem em causa a produção de bivalves, é no mínimo ridículo,
posto que em 2002 o IPIMAR num estudo encomendado pela Comissão de Coordenação
e Desenvolvimento Regional estimava uma produção de 7060 toneladas/ano, como se
pode verificar em http://www.ccdr-alg.pt/ccdr/parameters/ccdr-alg/files/File/documentos/ambiente/recursos_hidricos/ria_formosa_IPIMAR.pdf
, e dez anos depois o mesmo instituto aponta para uma produção de 5000
toneladas/ano como se pode ver em http://www.ecowin.org/forward/documents/FORWARD%20Report%202%20%20IMAR.pdf
. Consta-se pois uma quebra estimada de duas mil toneladas, porque a real é bem
superior, como denunciada no vídeo pelos produtores mas também neste ultimo
estudo que regista uma produção de 2000 toneladas/ano. Dizer que a qualidade
ecológica das aguas da Ria Formosa não têm impacto significativo na produção de
bivalves, é criminoso e visam exclusivamente branquear crime ambiental praticado na Ria Formosa
pelas entidades publicas.
A
importância deste vídeo, no actual contexto do estado ecológico da Ria Formosa,
assume particular importância por nos mostrar que:
-A
Ria Formosa integra a Rede Ecológica Europeia, a Rede Natura 2000 e está
classificada como Zona de Protecção Especial.
-A
colónia de cavalos marinhos, espécie em vias de extinção, sofreu uma redução de
85%.
-Todos
os anos morrem aves migratórias nas lagoas das ETAR.
-
Os bivalves são bio-indicadores da qualidade das aguas da Ria Formosa.
-De
acordo com os produtores e da bióloga do IPIMAR, há uma fraca renovação de
aguas e por inerência diminui a presença de oxigénio dissolvido.
-Existe
a descarga de algas potencialmente toxigenas com blooms de algas toxicas e que
estão na origem das interdições periódicas da apanha de bivalves.
-
A alteração do cheiro, sabor e cor das aguas da Ria Formosa por acção das
descargas das aguas residuais urbanas mal tratadas e de outras sem qualquer
tratamento.
Acresce
a tudo isto o desaparecimento das plantas de fundo, a morte de peixe, ao mesmo
tempo em que proliferam macroalgas oportunistas em cima dos viveiros.
As
analises do efluente tratado, registam o incumprimento de CBO5 e CQO,
reconhecido pela Agencia Portuguesa do Ambiente, mas não só. De acordo com a
tabela em anexo, elaborada a partir dos resultados divulgados pela Aguas do
Algarve e publicadas no site da empresa constata-se ainda que:
Os
SST, para os quais a legislação aponta para amostras filtradas, apresentam
valores de 200mg/l, quando o máximo permitido, em caso de incumprimento, é de
87mg/l, apenas sendo admitido os 150mg/l para amostras não filtradas, o que não
é o caso, violando todos os valores permitidos.
Convem
ainda referir que estes SST são constituídos por massa fecal, na sua maioria,
ricos em fósforo não contabilizado, e que devido á sua estrutura demora a
decantar, fazendo-o em cima da área de produção de bivalves, sem que antes
tenha provocado a turvação das aguas, impedindo ou diminuindo a passagem da
radiação solar até às plantas de fundo e da realização de fotossíntese, para
alem de tornat os fundos lodosos, inférteis, pondo em causa todo o ecossistema.
Os
elevados níveis de fósforo, cujos valores admitidos para as Zonas Sensíveis
sujeitas a eutrofização se situa nos 2mg/l mas que aqui registam 9,
enriquecendo o meio aquático e acelerando a produção de fitoplancton.
No
parâmetro CQO passou a ser possível a sua determinação apesar de os valores de
iões de cloreto quase terem dobrado, coincidindo esta determinação com a
apresentação do Parecer Fundamentado dessa Direcção-Geral, e logo dentro dos
valores normais.
Por
outro lado, as autoridades nacionais, promoveram uma tabela, de que também
fazemos eco, com um método quantitativo para a classificação das zonas sujeitas
a eutrofização, de acordo com o qual a Ria Formosa se poderia considerar mesotrofica, estando pois em risco de
eutrofização.
Assim,
temos razões de sobra para duvidar da autenticidade das razões apresentadas
pelas autoridades nacionais.
CONCLUSÃO
A
Ria Formosa é, tecnicamente, uma laguna, um lago ligado ao mar por canais, as
barras, que se encontram assoreadas, o que dificulta a renovação de aguas,
provocando um efeito cumulativo dos nutrientes em presença e por via disso
susceptível de se tornar eutrofica a curto prazo, pelo que ao Estado português
não resta senão classificá-la como ZONA
SENSIVEL SUJEITA A EUTROFIZAÇÃO, e contamos que essa Direcção-Geral a isso
o obrigue.
Com
os meus respeitosos cumprimentos, sou
António
Manuel ferro Terramoto
Sem comentários:
Enviar um comentário